Ícones sociais

Loading...

Travessia para outro firmamento


            De encontros também é feita a matéria dos sustos, dos encantos e das transgressões. A linguagem, em suas tantas vias de expressão (pela palavra, pelo corpo, pelas imagens visuais, pelos sons...), é sempre um caminho para a suspensão e o abismo; para a descoberta e para a perplexidade. Assim se dá o encontro entre a literatura de Mia Couto, as telas de René Magritte e o bailarino e artista visual André Vítor Brandão. No momento inicial da inquietação surgiu o desejo de andar em outro céu, caminho para o qual se forma uma inteira comunidade, como a que assiste ao voo do personagem Zuzé, o homem cadente do conto do referido escritor africano.
E eis que, nesta rede, a mim cabe mais uma parceria com André, desta vez para criar a dramaturgia deste seu primeiro solo. E somamos nossos universos, alargando ingredientes: o humor muito peculiar do grupo inglês Monty Python, a música de Johann Sebastian Bach, as poesias de Leonardo Fróes, Orides Fontela, Stela do Patrocínio e Estamira são algumas das referências que se somam e povoam/ preenchem a criação deste trabalho.
E adentramos, então, em outra lei de gravidade, criamos nosso próprio chão, nosso céu, nosso modo de cair em suspensão e de compreender toda a perplexidade que cerca o humano e o torna imenso em suas potências de sonho e invenção.
Poética, pois, é a lei deste outro céu. Lembro dos signos norteadores de Ronaldo Ferrito, em seu ensaio A Via excêntrica[1]: “O que está preso ao chão, quando elevado pelo pensamento, precipita-se no abismo de sua origem e pronúncia, em que pela primeira vez surgiu, nas possibilidades infinitas do ressurgimento: a linguagem, ou o seu céu” (p. 14). À travessia e ao voo, à queda inicial que é a semente da narrativa de Mia Couto somam-se nossos sonhos, nossas nuvens, plasmados no corpo e na dança de André. Um convite à reinvenção do tempo, das leis gravitacionais; um chamado à lúdica e indispensável capacidade humana de travessia, perplexidade, encanto e solidariedade.
Deixemo-nos cair, suspensos na teia dessa viagem cadente...

Renata Pimentel   



[1] Publicado pela Editora Confraria do Vento, RJ, 2010.

Um solo de muitos

Somos seres de conjunto, procuramos estabelecer vínculos de proximidade com nossos pares a todo instante, é isso que significa nossa experiência do mundo, que nos faz percorrer o caminho movediço de nossa existência. Na arte, estes vínculos se fazem de extrema importância para que ela aconteça, pois, se relacionar com os outros e com nossas redondezas nos impulsiona a criação, a ler o mundo pelo viés da sensibilidade.
Produzir dança entendendo-a em sua contemporaneidade é pensar em um fazer/dizer, ou seja, ao mesmo tempo em que me movimento construo um discurso, uma fala. Desse desejo de pensar a dança enquanto linguagem/comunicação, estabelecer relações com os outros é de fundamental importância para que a dança contemporânea aconteça. Assim, para esse processo me foram cumplices Renata Pimentel (Direção de movimento), Jailson Lima (Direção Artística), Renata Camargo (Dramaturgia), Eugênio Cruz (Trilha Sonora) e Fernando Pereira (Designer de Luz).
O trabalho de direção de movimento foi feito a fim de refinar a coreografia para que esta pudesse ser realizada de forma mais clara para o espectador, além de pensar a estrutura fisiológica do movimento de modo a sanar esforços desnecessários em sua realização. A Dramaturgia atuou de forma a auxiliar na construção de um sentido geral do trabalho, arrematando as ideias e apurando o discurso do espetáculo. O trabalho de direção artística operou no auxilio a elaboração da coreografia e na construção do espetáculo como um todo. A trilha sonora e a iluminação vieram para colaborar com a coreografia no tocante a estabelecer ambientes sonoros e de luz para o trabalho.

Toda essa comunidade se formou para contribuir na construção desse meu fazer/dizer através da dança. Penso que desses vínculos que se constroem durante a feitura de um espetáculo é que o mesmo ganha espessura, que se complexifica para que a comunicação com o público aconteça com maior eficácia.

André Vitor Brandão com Renata Camargo e Renata Pimentel

André Vitor Brandão tendo aula com Renata Camargo

André Vitor Brandão em ensaio 

Onde ele anda é outro céu...Uma rede se tece

[Figura 1] A Queda. Rene Magritte
Como surge uma obra de arte? Eu diria que do mesmo modo que o universo: de um Big Bang de um atrito, de um conflito, de uma explosão ou se preferir do barro, terreno fértil, húmido. Mas o fato é que algo acontece, floresce, explode, faz surgir alguma coisa. E foi assim de um tropeço como uma semente que por descuido cai na terra e fecunda que Onde ele anda é outro céu se fez em broto... Um dia esbarrei-me no Fio das Miçangas do Mia Couto e em meio as palavras, orações, estrofes, contos, lá estava o Homem Cadente caindo... caindo... e caiu sobre mim, desse “choque” um desejo de descobrir por que aquele homem caíra e por que tantos outros caem aos montes do nosso lado me surgiu. “[...] Que sucedera para se suicidar, desabismado? Que tropeção derrubara a sua vida? Podia ser tudo: os tempos de hoje são lixívia, descolorindo os encantos” (COUTO, pg.6).

[Figura 2] O Filho do Homem. Rene Magritte. 1964
Como quem procura um tesouro, fui  em busca de pistas/perguntas/respostas e dessa rede que começara a tecer encontro-me com o René Magritte e sua chuva de homens [figura 1] e o misterioso personagem que desafia as leis da gravidade escondendo seu rosto atrás de uma maçã [Figura 2], sim, talvez aquela mesma maçã que dissera a Newton que existe sob nossos pés uma força que nos impede de flutuar. E o Zuzé Neto? Pois, “[...] Quando fitei os céus, ainda mais me perturbei: lá estava, pairando como águia real, o Zuzé Neto. O próprio José Antunes Marques Neto, em artes de aero-anjo. Estava caindo? Se sim, vinha mais lento que o planar do planeta pelos céus.” (COUTO, pg.6) Estaria o Zuzé acima das leis físicas que regem o nosso mundo? Ele não seria

desse cosmo? Viveria em um lugar onde tudo é possível desde que se deseje ser? Seria ele nascido do mesmo ventre de onde nascem os sonhos?

Não sei. Sigo colhendo pistas, indícios, tecendo uma rede de vestígios que “ganha complexidade à medida que novas relações vão sendo estabelecidas.” (SALLES, 2012, p.10). Assim, ao mesmo tempo em que arremato os pontos deixo as extremidades por fazer, ávidas por novas conexões/encontros. Desse modo, vou trilhando meu caminho e como um náufrago coloco-me a deriva no universo da criação artística.

André Vitor Brandão

Bibliografia
COUTO, Mia. O Fio das Miçangas. São Paulo: Companhia das letras, 2009.
SALLES, Cecília Almeida. Redes da Criação - Construção da obras de arte. 2008.



Por onde ele anda?



O Espelho Falso.54x80cm.1928.Rene Magritte
Quando assistimos a um espetáculo não nos damos conta do que está por traz daquilo que estamos vendo. Existe uma dimensão invisível no visível do espetáculo.  Ao passo em que danço para além do movimento que realizo, estão presentes reflexões, emoções, conflitos, assuntos, etc. O espaço que aqui abrimos é para dar visibilidade a estas questões que estão presentes no espetáculo e que não saltam aos olhos tão facilmente, além de, cumprir uma função de registro da criação, erigir uma memória da feitura do espetáculo Onde Ele Anda é Outro Céu. E como “uma andorinha só não faz verão” eis que apresento os cumplices desse processo: Jailson Lima (Direção Artística), Renata Camargo (Direção de movimento), Renata Pimentel (Dramaturgia), Fernando Pereira (Iluminação), Orlando Dantas (Figurino) e Eugênio Cruz (Música). Sigamos acompanhando os caminhos que nos levarão [ou não] a outro céu.

Avante!

André Vitor Brandão

© Copyright Template 00742| Editado Por: Abajur Soluções | Designed By Code Nirvana
Back To Top