De encontros
também é feita a matéria dos sustos, dos encantos e das transgressões. A
linguagem, em suas tantas vias de expressão (pela palavra, pelo corpo, pelas
imagens visuais, pelos sons...), é sempre um caminho para a suspensão e o
abismo; para a descoberta e para a perplexidade. Assim se dá o encontro entre a
literatura de Mia Couto, as telas de René Magritte e o bailarino e artista
visual André Vítor Brandão. No momento inicial da inquietação surgiu o desejo
de andar em outro céu, caminho para o
qual se forma uma inteira comunidade, como a que assiste ao voo do personagem
Zuzé, o homem cadente do conto do referido escritor africano.
E adentramos, então, em outra lei de
gravidade, criamos nosso próprio chão, nosso céu, nosso modo de cair em
suspensão e de compreender toda a perplexidade que cerca o humano e o torna
imenso em suas potências de sonho e invenção.
Poética, pois, é a lei deste outro céu. Lembro dos signos norteadores
de Ronaldo Ferrito, em seu ensaio A Via
excêntrica[1]:
“O que está preso ao chão, quando elevado pelo pensamento, precipita-se no
abismo de sua origem e pronúncia, em que pela primeira vez surgiu, nas
possibilidades infinitas do ressurgimento: a linguagem, ou o seu céu” (p. 14).
À travessia e ao voo, à queda inicial que é a semente da narrativa de Mia Couto
somam-se nossos sonhos, nossas nuvens, plasmados no corpo e na dança de André.
Um convite à reinvenção do tempo, das leis gravitacionais; um chamado à lúdica
e indispensável capacidade humana de travessia, perplexidade, encanto e
solidariedade.
Deixemo-nos cair, suspensos na teia
dessa viagem cadente...
Renata Pimentel
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